terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A rivalidade fraterna

Tem acontecido de eu ser procurada em meu consultório por pais que não sabem o que fazer com as brigas, as disputas existentes entre os filhos. Geralmente isso está associado com a chegada do irmão/irmã que destitui o príncipe ou a princesa do trono outorgado pelos pais. A chegada do irmão é a chegada do “estrangeiro invasor”, daquele que, com sua presença, perturba o equilíbrio do reino constituído. Com o outro novo é introduzida a noção de mudança e principalmente a de paridade (o triângulo deixa de existir). O segundo filho inaugura o início das partilhas, negociações, julgamentos, o que exige que os pais e o filho mais velho reorganizem seu espaço e sua maneira de pensar a relação familiar e a ordem da casa. O sofrimento maior para o primogênito é que a fratria desloca-o do lugar único e privilegiado que ocupava até então, ele vê-se destronado. Na verdade, o mais velho inveja e tem ciúme da relação amorosa instituída entre o bebê e a mãe (não da mãe, a qual tenta preservar como boa), em que vê a entrega, a dedicação, a alegria da mãe, o modo lúdico dos pais falarem com o irmão. Ele inveja e tem raiva do poder absoluto dado ao pequeno bebê. Sente a injustiça dos pais quando pede algo e lhe dizem não. Para ele tudo é não, tudo lhe é rejeitado; e para o outro tudo é sim, tudo pode, ele sempre termina repousando no seio quente e caloroso da mãe. O nascimento de um filho reporta os pais ao lugar de irmão, filho, da sua criança interior (ferida e/ou feliz), da sua relação infantil vivida com os pais que é projetada no filho. Para amenizar o clima tenso, hostil vivido na família é importante que os pais sejam capazes de se colocar no lugar de seu filho real (e não imaginário) para entender a sua necessidade de amor, atenção, cuidado, justiça. O que a criança quer é apenas ser tratada com coerência, justiça, amor, igualdade (e não ser cobrada, comparada, julgada) e, em certos momentos, ter direito a exercer o poder que lhe foi roubado.

Ver artigo "A função fraterna e as vicissitudes de ter e ser um irmão" (Goldsmid e Féres-Carneiro).